domingo, 27 de agosto de 2017

Vida Consagrada: Sinal do Reino dos Céus no Mundo

    Na terceira semana do mês de agosto, a Igreja no Brasil dedica suas orações às pessoas consagradas¹ – seja como leigos, seja como religiosos – e convida os fiéis, que ainda discernem sua vocação, a contemplar o testemunho desses homens e mulheres, cuja vida neste mundo é sinal escatológico do Reino de Deus, e se questionarem se à consagração Deus os chama.
      O sacramento da ordem imprime caráter nos sujeitos que o recebem, e é ele que, pelo princípio de funcionalidade, introduz na Igreja as diferentes categorias de fiéis, todos eles com igual dignidade de filhos de Deus². Os clérigos têm no sacramento da ordem o seu caminho de santificação. Os casados o têm no sacramento do matrimônio. Mas outros fiéis têm em uma consagração especial de vida o seu caminho de santidade³. Eles podem ser chamados a vivê-la enquanto religiosos⁴, como os monges e frades, ou a vivê-la enquanto leigos, como os membros de Institutos de Vida Secular⁵ e Sociedades de Vida Apostólica⁶.
    A partir do Concílio Vaticano II, de cujo patrimônio intelectual nós recebemos a Constituição Dogmática Lumen Gentium, que, além da apresentar “a natureza e missão universal da Igreja”⁷, evidenciou o chamado à santidade de todos os fiéis⁸, gradualmente cresceu a consciência de clérigos e leigos acerca da urgência de uma nova evangelização da sociedade. Nesse ínterim, surgiram com cifras cada vez maiores os Movimentos e Novas Comunidades, ao que João Paulo II chamou “primavera da Igreja”, a proporem formas renovadas de vida cristã, com ênfase em um autêntico discipulado, na comunhão fraterna e na missão. Ao longo dos anos, nas Associações de Fiéis⁹ originou-se a compreensão e vivência de uma “consagração ao carisma”, isto é, de uma forma de pertença comum a leigos e/ou clérigos, que encontram em certa identidade espiritual o seu chamamento pessoal e comunitário à santidade que Deus lhes reservou. Esse fenômeno tem sido acompanhado diligentemente pela Igreja, como se observou na recente Carta da Congregação para a Doutrina da Fé “Iuvenescit Ecclesia”¹⁰, que, admirada, contempla as maravilhas de Deus realizadas na saudável relação entre os dons hierárquicos e carismáticos.
      Como em cada estado de vida manifesta Deus a sua santidade, nas consagrações especiais que se efetuam no seio da Igreja podem todos os fiéis encontrar um grito profético na vida destes homens e mulheres, que buscam cada qual a seu modo dar a conhecer a radicalidade do seguimento de Jesus Cristo. Por seu múnus sacerdotal, eles consagram a Deus primeiramente as suas vidas, mas não menos suas energias, seus bens, seu tempo, seus dons, tornando oferenda ao Senhor aquilo que são e fazem. E, por seu múnus régio, procuram eles estar solícitos ao serviço das urgências para as quais o carisma deles está na Igreja para atender.
    Um número considerável de fiéis tem aderido a essas novas expressões de consagração. No entanto, como todo chamado, exige discernimento e responsabilidade, pois Deus é glorificado quando é feita a sua vontade. O homem, para alcançar a glória à qual Deus o destinou, precisa estar na vocação certa. A santidade dele e, de certo modo, a de muitas pessoas, depende da integridade e integralidade do seu sim vocacional. Não adianta dar a Deus o que Deus não quer. E, ainda, a longo prazo, nenhum homem chega à plenitude pessoal apenas realizando as próprias vontades. Se assim fosse, o mundo devia ser uma fábrica de felicidade, um parque de diversões com proporções globais, que enxugaria todas as faces e cobriria de sorriso todas as bocas. Mas essa não é a verdade. João afirma: O mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente¹¹.
       Feliz o homem que na lei do Senhor Deus vai progredindo¹². A nova lei agora está gravada no íntimo de nós¹³, pois a aliança dos tempos messiânicos – que são esses – é o amor de Deus derramado em nossos corações pelo Espírito Santo¹⁴, dado por Cristo como o dom do Pai para todos aqueles que ele resgatou com o seu sangue¹⁵. A nossa vida clama pela sua realização final, que está radicada na Santíssima Trindade¹⁶. Fora de Deus, tudo é provisório, insuficiente, impróprio para nos fazer entrar em posse da felicidade que nós ansiamos. A glorificação de Deus é o movimento natural de toda vida que se volta para o cumprimento de sua vontade. Assim, mais feliz será o homem quanto mais se voltar para Deus, para glorificá-lo no caminho de sua própria bem-aventurança.
        Rezemos pela vocação daqueles que deixaram tudo pelo Senhor. E por tantos outros que o hão de seguir, mas que precisam de discernimento e fortaleza para fazerem as escolhas necessárias à consecução de sua jornada espiritual.
      Que todo medo seja superado pelo amor de Cristo, do qual Paulo fala que nada nos pode separar¹⁷, e que os passos vocacionais daqueles que leem esse artigo sejam edificados sobre a rocha, que é o Senhor. Nem o vento nem a chuva poderão derrubar o que está edificado sobre ele¹⁸. As muitas águas nunca apagarão o amor¹. É preciso atender àquele que chama. E, se Deus o chama a uma consagração, volte para ele o rosto, e não as costas²⁰. Ele o ama, e promete sua presença em todos os momentos: Se passares pela água e pelo fogo, eu estarei contigo²¹.
Pedro Thiago da Cruz Costa
Membro celibatário da
Comunidade Mater Dolorosa de Jerusalém






                                                  
                                                     

                                              


1 Catecismo da Igreja Católica (CEC), 916.
2 Código de Direito Canônico (CIC), cân. 207.
3 CEC 914.
4 CEC 925-927.
5 CEC 928-929.
6 CEC 930.
7 LG 1.
8 LG 39-42.
9 CIC, cân. 298.
10 Carta da Congregação para a Doutrina da Fé aos Bispos da Igreja Católica, Sobre a Relação de Dons Hierárquicos e Carismáticos para a Vida e Missão da Igreja, aprovada em 14 de março de 2016 pelo Papa Francisco e dada em Roma, em 15 de maio de 2016, na Solenidade de Pentecotes.
11 1 João 2, 17.
12 Cf. Salmo 118, 1.
13 Jeremias 31, 33.
14 Romanos 5, 5.
15 Apocalipse 1, 5.
16 CEC 1.
17 Romanos 8, 39.
18 Mateus 7, 25.
19 Cântico dos Cânticos 8,7.
20 Jeremias 32, 33.
21 Cf. Isaías 43, 2.

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